Semente e fruto - Cora Coralina
"Despojada. Apedrejada. Sozinha e perdida nos caminhos incertos da vida. E fui caminhando, caminhando... E me nasceram filhos. E foram eles, frágeis e pequeninos, carecendo de cuidados, crescendo devagarinho. E foram eles a rocha onde me amparei, anteparo à tormenta que viera sobre mim. Foram eles, na sua fragilidade infante, postes e alicerces, paredes e cobertura, segurança de um lar que o vento da insânia ameaçava desabar. Filhos, pequeninos e frágeis... eu os carregava, eu os alimentava? Não. Foram eles que me carregaram, que me alimentaram. Foram correntes, amarras, embasamentos. Foram fortes demais. Construíram a minha resistência. Filhos, fostes pão e água no meu deserto. Sombra na minha solidão. Refúgio do meu nada. Removi pedras, quebrei as arestas da vida e plantei roseiras. Fostes, para mim, semente e fruto.
Na vossa inconsciência infantil.
Fostes unidade e agregação."
SONETO CV
Não chame o meu amor de Idolatria
Nem de Ídolo realce a quem eu amo,
Pois todo o meu cantar a um só se alia, E de uma só maneira eu o proclamo.
É hoje e sempre o meu amor galante, Inalterável, em grande excelência;
Por isso a minha rima é tão constante
A uma só coisa e exclui a diferença.
‘Beleza, Bem, Verdade’, eis o que exprimo; ‘Beleza, Bem, Verdade’, todo o acento;
E em tal mudança está tudo o que primo,
Em um, três temas, de amplo movimento.
‘Beleza, Bem, Verdade’ sós, outrora;
Num mesmo ser vivem juntos agora. William Shakespeare